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DE NEGÓCIOS INTERNACIONAIS

DEPOIMENTOS DE PESSOAS QUE CONVIVERAM COM AÍDA.

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Aída com o lacinho, distintivo de "melhor aluna".

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(Do livro "Aída Curi, Ouro Puro em Mina de Trevas", escrito pelo irmão de Aída, Monsenhor Maurício Curi.)

ALUNA NOTA 10.

Em carta enviada ao advogado de defesa da Aída, Dr. José Valla­dão, para ser juntada ao "dossier" de Aída, escreveu a Madre Superiora do Educandário Gonçalves de Araújo, Madre Maria Casas:

"...desde pequenina manifestou grande pureza de alma e muita piedade, a par de viva inteligência e habilidade para qualquer trabalho intelectual, ma­nual ou doméstico. Sempre foi aluna de conduta exemplar, conquistando, ano por ano, os melhores prêmios".

De fato, todos os prêmios que o Colégio costuma oferecer às melhores alunas, ela os obteve: o "Curso de Piano" foi talvez o que mais satisfação lhe causou.

Às meninas que se destacavam durante o perío­do escolar, a Instituição concedia, no fim do ano, fé­rias em casa. Este prêmio Aída  sempre o conquistou, e mais de uma vez foi a única que gozou deste pri­vilégio.

 

 

 

 

Quando a mãe de Aída quis tirá-la do Educandário pa­ra que pudesse fazer o Curso Ginasial reconhecido pelo Governo, as Irmãs pediram com insistência que a deixasse ficar, pois "servia de exemplo para as outras meninas". Aída  lá permaneceu, então, até completar dezoito anos.

"Na aula, na oficina - afirma Dalila da Con­ceição Costa, sua colega -destacava-se pela sua in­teligência. Seus bordados pareciam feitos por mãos de fadas. Quando estava ao piano, parávamos para ouvi-la tocar".

Tinha predileção especial pela Língua Inglesa.

Sua colega Marly Alves, que saíra do Educandário um ano antes de Aída, recebeu dela, certa vez, uma carta. Nesta falava de toda a sua tristeza par haver a direção do Colégio decidido suprimir o estu­do do Inglês. Escrevia-Ihe:

"... Você não pode imaginar minha tristeza. Ah! Marly! Eu gosto tanto da Língua lnglesa!"

Nas férias, em casa, ocupava-se em pequenos trabalhos de utilidade prática, aplicando o que havia aprendido na escola. Trazia sempre consigo um ca­derno cheio de receitas de bolos, doces e balas. Bor­dava também, e aprendia com mamãe a fazer vesti­dos. Apreciava música clássica, mas gostava também de canções populares, sobretudo se cantadas em in­glês, ou interpretadas par sua cantora favorita, Emi­linha Borba. Seus programas de televisão preferidos eram ballet e teatro.

No Educandário, o jogo que mais apreciava era o vôlei, embora o praticasse  raramente. Nesse gênero de esporte, era perita nas tiradas de "peixinho" (atirar-se na bola rente ao chão, para evitar o ponto do adversário), sendo por isso muitas vezes solicitada pelas colegas.

Durante os anos de colégio havia estudado di­versas matérias: Taquigrafia, Inglês e Espanhol; aprendera ainda Corte e Costura e Arte Culinária. Esta aprendizagem devia habilitá-la para bons em­pregos, a fim de ajudar a mamãe - objetivo que nun­ca perdera de vista.

Em reportagem sobre o Educandário, intitulada "Dali saem prontas para a felicidade", publicada em 15 de agosto de 1953, no jornal "A Noite" do Rio de Janeiro, aparece uma foto de Aída  ao piano. Conta­va, nessa oportunidade, 13 anos. No texto, lê-se o seguinte:

"Aída  Curi é a melhor aluna do ano. O seu prêmio foi poder aprender piano. Este ano, e até o presente, Aída  Curi é a aluna distinguida. Ostenta no peito um pequeno distintivo. E, todas as tardes, sobe à cabine onde estão os instrumentos. Quando o leitor passar por ali e ouvir pedaços repetidos de Schubert ou de Gounod, é ela, com a sua bol­sinha e o seu avental branco, dedos jovens e firmes, estudando.  Prepara-se para a vida. E sobretudo para a Arte."

Conservaria sempre um profundo sentimento de gratidão às freiras, e prometera levar-lhes  o primeiro salário que recebesse de seu trabalho. A última  vez que as visitou  foi no Dia das Mães,  em maio .  Dirigiu-se à Madre Superiora nos seguintes termos:

- "Não foi para oferecer–lhes o meu primeiro salário que vim hoje, mas para abraçar a todas as Irmãs no Dia das Mães, pois as considero minhas segundas mães."

Irmã Ignácia dá-nos igualmente o seu testemu­nho a respeito da aluna Aída :

"Aída  era uma moça excepcionalmente estudio­sa e levava o estudo muito a sério. Nas vésperas dos exames explicava as lições às colegas mais fracas nos estudos. Depois dos 15 anos, tornou-se verdadeira auxiliar das mestras, ajudando na disciplina. Aída foi, durante

um quarto de século, a melhor aluna que passou pelo Educandário".

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Irmã Ignácia

TESTEMUNHO DE

ELENIRA PEREIRA DOS SANTOS,
COLEGA DE AÍDA, NO EDUCANDÁRIO.

 

No Colégio, Aída  travara profunda amizade com Elenira Pereira dos Santos, uma colega de curso.
Esta entrou para o Educandário no mesmo ano que Aída , tornando-se ambas, desde então, boas amigas.
Mesmo após a saída do Educandário, Elenira pro­curou continuar a amizade, encontrando-se de vez em

quando com Aída, para trocar impressões sobre as novas experiências, relembrar os tempos passados

no colégio, e "poder ainda ouvir os seus conselhos". Pela amizade sincera e intenso convívio entre ambas,

até as vésperas da tragédia, muito vale aqui o teste­munho de Elenira:

"Eu conheci Aída  profundamente, pois era mi­nha confidente. Eu a admirava muito e sei que ela

nunca seria capaz do menor gesto de leviandade.

Frequentemente me aconselhava sobre os perigos que existem fora do Colégio. Lembro-me que,

certa vez, fiz-lhe comentários acerca de rapazes, tendo obtido a seguinte resposta dela:

- Cuidado, Elenira. Não vá na conversa dos rapazes. Mostre-se indiferente e não dê o seu carinho

a eles, pois cada um tem o seu truque..."

Aída  pedia sempre a Nossa Senhora que a con­servasse pura; tinha até uma oração muito bonita, da qual guardo, até hoje, a cópia que ela me deu. Lem­bro-me perfeitamente do dia em que se retirou de um grupo onde havia baixado o nível da conversa, e das ocasiões em que procurava, por hábil estratagema, desviar nossos olhos de cartazes escandalosos.

Aída  era uma menina pura, meiga, querida de todos que a cercavam, preferida das Irmãs, que tinham admiração por ela.

Quando eu estava para resolver um problema (falo de matemática), recorria a ela. A respeito de outros problemas, também os sabia resolver da me­lhor maneira possível, deixando-me sempre aliviada.

A princípio, eu era um pouco rebelde ao regime do Internato, e Aída  sempre me dava conselhos. As Irmãs apontavam-na como um modelo a ser imitado. Diziam: "Sigam o exemplo de Aída ". Frequente­mente a encontrávamos na capela, rezando sozinha. Pediu-me várias vezes que lhe fizesse companhia. Não foi raro acontecer ficar apenas Aída  comungando durante a semana. Era um verdadeiro exemplo de criatura."

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TRECHOS DA ENTREVISTA DE MARÍLIA ALVARENGA,

COLEGA DE AÍDA NO EDUCANDÁRIO,

CONCEDIDA AO IRMÃO DE AÍDA, MONSENHOR MAURÍCIO CURI,

NO FACEBOOK, EM JANEIRO DE 2012.

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Marília Alvarenga

Marília Alvarenga: Ela gostava muito de cantar.  Ela fazia parte do coro da Igreja da Candelária. Cantava todos os domingos, na missa de 12h.  Ela fazia a segunda voz

E cantava também nas missas da igrejinha do Educandário.

No Educandário, era um padre da Igreja de São Cristóvão que celebrava a missa.

Na Igreja da Candelária, não estou lembrada, mas, às vezes, era o Arcebispo Dom Helder Câmara.  Às vezes também era o cardeal Dom Jaime de Barros Câmara.

 

Monsenhor Maurício: Esse padre, que se chamava Fajardo, era espanhol e escreveu uma carta sobre a Aida para o processo. O outro, também espanhol, uma vez me disse que um dia dava a comunhão para as meninas, e não sabe como a hóstia saiu da mão dele e foi direta para a Aida.  Ele só fez a ligação do fato quando soube da morte heroica de Aída, a quem ele admirava muito e pensava até que o Cardeal Dom Jaime devia começar um processo de canonização. Eu falei ao Cardeal sobre este desejo do padre espanhol e o Cardeal, que era conhecido pela sua prudência, não fez nenhum comentário.

 

Marília Alvarenga: Às vezes, ela ia dormir chorando.  Nas nossas orações, antes de dormir, ela orava sempre por vocês, irmãos.  Aída não deixava nunca de dormir sem fazer as orações.

A cama de Aida era a primeira e a minha era a segunda da fila, perto do banheiro.

Certa vez, nós brigamos por causa da janela, que estava fechada, pois ela tinha muito medo de morcego e eu morrendo de calor.  No dormitório, entrava morcego.

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Dormitório do Educandário Gonçalves de Araújo, onde Aída dormia.

Marília Alvarenga: Nunca vi Aida levantar a voz pra nenhuma de nós.  Sempre muito doce.

Eu pedia desculpas, às vezes, quando entrava em atrito, e ela sempre calada, e eu sentia até vergonha.

 

O senhor sabia que nós as alunas tínhamos número?  O numero da Aida era 90 e o meu era 104.

 

Na entrada do colégio, na portaria, havia um quadro com o nome das melhores alunas, e Aída estava sempre em primeiro lugar, com um distintivo que era um lacinho vermelho, que trazia no peito.  Esse distintivo só as melhores é que recebiam e Aída sempre usou.  Ela era demais como exemplo de aluna, sempre com notas máximas.

Aida era: educadíssima, delicada, dedicada, amorosa, tudo que um ser humano pode ter de melhor.  No temperamento, ela ficava furiosa quando uma aluna respondia mal às Irmãs.  Ela chamava logo a atenção da colega. Mas sempre com muita educação.  Ela nunca respondia às Irmãs, recebia qualquer admoestação sempre de cabeça baixa.

 

Aída, era mesmo muito especial. Ela sempre fazia retiros, comungava todos os dias e sempre se confessava.  Uma das coisas de que ela não gostava muito era fazer parte dos teatros.  Mas gostava muito de cinema.  Nós tínhamos cinema no EGA.  Ela nunca perdeu um filme.  Para assistir a um filme, só quem tirava notas boas e Aída era uma delas.

 

Um mês antes da ser assassinada, ela nos fez uma visita.  E nós até comentamos da tristeza que se estampava no rosto dela.  Parecia que ela já estava sentindo algo estranho.

 

E ela não tinha sardas.  Geralmente as pessoas de cabelos vermelhos têm sardas no rosto.  Ela tinha uma pele branquinha. 

 

Aída gostava muito de pular corda.  Na hora do recreio, ou ela ficava no banco do pátio lendo um livro, ou pulando corda. E ela dizia: Marilia, vamos pular corda para crescermos.

 

Ela dizia que era descendente de sírios.  E pela cor dos cabelos, nós a apelidamos de siriazinha.

 

Um dia eu peguei, na horta, uns figos e cenoura para comer de noite.  Então Aída escutou o barulho, e me perguntou: Você está comendo alguma coisa? Sim.  Mas você pegou onde? E eu respondi que tinha sido da horta e ela disse que ia dar queixa à Irmã Laura.  Então eu falei: vai lá, bate na cela e pergunta à Irmã Laura se ela não quer um pedaço! Aída caiu na gargalhada.

Numa madrugada, Aída me acordou dizendo ter perdido o sono.  Eu perguntei se ela estava bem, se estava sentindo alguma coisa, ela respondeu que estava tudo bem. Disse ter tido um sonho, e eu já imaginando que ela havia sonhado com morcego, falei para ela que a janela estava fechada.  E ela logo foi falando que não era nada daquilo. Contou-me que havia sonhado com vários anjos em sua volta e que eles estavam com muita fome e ela foi até à despensa e deu de comer aos anjos.  Quando eles terminaram de comer, eles pediram sobremesa, mas ela disse a eles que não tinha a chave da despensa de sobremesa.  Ela pediu a chave à Irmã responsável, mas a Irmã disse que não podia dar a chave, pois as colegas iriam ficar enciumadas, e os anjos começaram a chorar e ela acabou lavando os pratos que os anjos sujaram. Ela me disse que eram muitos anjos.  Perguntei quantos e ela me respondeu que eram 14. E ficamos um bom tempo conversando sobre sonhos até pegar no sono outra vez.

Monsenhor Maurício: Só a titulo de conversa, sem nenhuma base cientifica sobre sonhos, eu veria nos anjos as criaturas de Deus que ela mais admirava, pois, diariamente, com Marilia Alvarenga, recitava a "Oração dos Anjos" antes de dormir: “Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador, já que a ti me confiou a piedade divina, sempre me guarde...".  E sobre o número 14 (a quantidade de anjos no sonho), eu diria que foi justamente no dia 14 de julho de 1958 que os anjos a vieram buscar para estar definitivamente com eles, em torno da Trindade Santa.

Marília Alvarenga: Sabe qual a cor que Aída gostava?  Do Azul.  Ela dizia que a cor azul era a cor do manto de Nossa Senhora das Graças.

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PRESSÁGIO.

Irmã Oliveira, numa carta enviada a nossa famí­lia, relata-nos um fato curioso:

"Quando, em certa manhã de julho de 1958, soube o que havia sucedido a Aída, fiquei parada, sem ação... Pouco depois, eu refletia sobre uma de suas pequenas confidências. Seria em outubro de 1957, já no término de sua vida colegial. Apenas três ou quatro alunas estavam na aula de Taquigrafia por ser dia de Confissão.

Notei uma certa preocupação em Aída , mesmo durante o ditado "de rapidez" que lhes fazia. Ao terminar este, perguntei-lhe o que a preocupava ou entristecia: se já estava cogitando no emprego que, em breve, teria que arranjar... Sorriu e disse com uma expressão no olhar como se estivesse vendo longe:

- Não estou triste... Estou pensando que não viverei muito tempo... Alguma coisa me diz que eu vou morrer cedo...

- Mas, por quê? Você está doente?

- Não, mas acho que não poderei viver muito...

Sorriu novamente e calou-se. Não quis fazer-lhe mais perguntas e resolvi não tomar a sério suas palavras."

Fato semelhante é o narrado por sua professora de Português, Lúcia Cerne Guimarães Corona. Conta-nos que,

na véspera de embarcar para a Europa, numa viagem de passeio – semanas antes da morte de Aída –

esta lhe dera um lindo lenço bordado.
D. Lucia, brincando, agradeceu-lhe dizendo: 
- Este lencinho é para enxugar as lágrimas das saudades que vou sentir longe de vocês, minhas colegas e alunas!...

Em outubro já estarei de volta para abraçar a vocês todas.
- O futuro a Deus pertence!... – exclamou Aída.
- Você está pessimista – retrucou a Professora – é tão nova ainda, tem muito para viver... Se alguém há de faltar,

então serei eu, que já vivi muito mais que você...
Aída sorriu e deixou-se ficar pensativa, ouvindo uma música.
D. Lúcia receberia, na Europa ainda, a notícia da morte de sua aluna.

dona lúcia cerne guimarães corona, profe

Prof.ª Lúcia Cerne Guimarães Corona

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