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O JULGAMENTO DOS RÉUS.
A IMPRONÚNCIA!
  O PARECER DECISIVO DO CURADOR CORDEIRO GUERRA:
"Retornem os réus absolvidos ao Tribunal do Júri!"
O JULGAMENTO ADIADO VÁRIAS VEZES!  
O TERCEIRO JULGAMENTO.

(Do livro "Aída Curi, Ouro Puro em Mina de Trevas", escrito pelo irmão de Aída, Monsenhor Maurício Curi.)

 

A DENÚNCIA.

No dia 18 de agosto de 1958, foi apresentada a Denúncia,  contra três dos principais implicados, por Marcelo Maria Domingues de Oliveira,  5º  Promotor Substituto em exercício de Promotor Público no Primeiro Tribunal do Júri. Atemo-nos  aqui ao essencial deste  Documento, que se encontra às fls.2-4 dos Autos.

"... empregando as violências que se acham comprovadas pericialmente, X, Y e Z constrangeram Aída à prática da conjunção carnal, rasgando-lhe  as vestes, espancando-a,  esbofeteando-a,  sem, entretanto, lograrem realizar seus intentos dada a resistência oposta pela ofendida, e iniciando assim a execução  do estupro  que não consumaram por circunstâncias alheias às suas vontades.

Vendo baldadas as possibilidades de uma conjunção carnal, prosseguiram nas violências, atentando já agora contra o pudor de Aída, com a prática de atos libidinosos, também  positivados pela Perícia, até se esgotarem as energias da vítima na luta  desigual que ela travara em sua própria defesa.

Aproximadamente às 21 horas, tendo as roupas rasgadas, bestialmente seviciada e em estado de completa exaustão física,   praticamente desfalecida, quando já lhe era impossível qualquer defesa, Aída Curi foi lançada do terraço ao solo da Avenida Atlântica e, assim assassinada como prova o auto de exame cadavérico de fls. 54/60 verso".

 

PRONUNCIAMENTO DA JUSTIÇA.

No que se refere ao Julgamento dos Réus, resu­midamente apresento aqui alguns elementos.

Pela Denúncia oferecida em 18 de agosto de 1958 pelo Ministério Público, estava instaurada a ação penal contra os 3 principais envolvidos no crime, sendo que um quarto não fora denunciado por ser menor, sendo submetido a processo disciplinar pe­rante o Juizado de Menores.

Quanto aos 3 maiores de idade, um deles foi condenado pelo Primeiro Tribunal do Júri a 37 anos de prisão e... absolvido num segundo julgamento (!). Esta absolvição que desapontava o bom senso e a humana consciência podia até colocar em xeque a instituição do Júri em nosso País e motivar o seu reexame!

Este réu foi, no terceiro e último julgamento,  condenado a 6 anos de reclusão. Tendo o promotor recorrido da pena, esta foi aumentada para 8 anos. O segundo teve a sua pena fixada em 1 ano e 3 meses; e o terceiro, o porteiro do edifício, havendo sido condenado em primeiro julgamento, juntamente com o primeiro réu, a 30 anos de prisão, foi impronunciado em seguida. Cassada a impronúncia, fora contra ele expedido mandado de prisão. Ficou foragido. Se localizado, deveria submeter-se a novo júri. Há muito deu-se a prescrição que era de 20 anos.

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O PARECER
DO CURADOR CORDEIRO GUERRA
SOBRE A IMPRONÚNCIA.

Por delegação especial do Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal, o Sr. Cândido de Oliveira Neto,

fora designado o Curador J. B. Cordeiro Guerra, 2o Curador dos Registros Públicos, para opinar sobre o

pedido do promotor em exercício no Primeiro Tribunal do Júri.  

 

O promotor recorrera da sentença de Impronúncia dos  três acusados, maiores de idade, quanto à autoria

do crime de homicídio qualificado. A razão apresentada pelo Juiz "a quo" fora, pasmem os leitores,

"por falta absoluta de prova". Da mesma forma recorrera o promotor da anulação do processo no que se refere

ao atentado violento ao pudor e à tentativa de estupro. A sentença alegara "ilegitimidade de parte", isto é,

o processo ficava anulado por entender o Juiz "a quo" devesse ser movida a ação por queixa da mãe da vítima.

Baseando-se no exame dos três alentados volumes deste  Processo, Cordeiro Guerra elabora o seu Parecer

em 26 páginas datilografadas.  Após  refutar os álibis forjados pelos culpados para se subtraírem à acusação

de homicídio, afirma em seu estudo a realidade dos crimes imputados aos réus; em seguida, levando em

conta a diversidade dos atos violentos para conter a vítima e violá-la, conclui pela pluralidade de agentes;

reconhece outrossim o ajuste entre estes últimos para uma defesa comum.

Judiciosamente  analisa as declarações dos culpados. Estes apresentam apenas as versões que, aparentemente, menos os comprometam, versões atenuadas, menti-rosas, inverossímeis. E traz à baila, de modo pertinente, o dado incontroverso da psicologia judiciária: "ninguém oculta senão aquilo que o compromete".

Insiste ainda Cordeiro Guerra sobre o fato de que não existe no crime participação principal e participação

acessória, auxílio necessário  e auxílio secundário; todos os que tomam parte no crime são autores. E, por fim,
eixa bem claro que os indícios de uma participação criminosa assumem particular relevo num processo.

Baseado no Auto de exame cadavérico, conclui:  a vítima não se atirou do terraço, em virtude de síncope 

anterior, ou devido ao seu estado de exaustão  (stress), pela simples razão de que estava com a circulação

do sangue suspensa,  o que provam as pequenas hemorragias encontradas pelos perito.

Na segunda parte do seu Parecer, o Curador discorre sobre o capítulo "Da anulação do processo". Logo de

início impugna este ato judicial do autor da Impronúncia: "Sem embargo, o Dr. Juiz "a quo" não se deu por

convencido, e impronunciou os réus da acusação  de homicídio. A consequência fatal, artigo 81, parágrafo

único, do Código de Processo Penal, era a sua incompetência para apreciar os crimes contra a liberdade

sexual constantes da denúncia".  Passa em seguida o douto Curador a analisar duas outras razões que

motivaram a decisão do Juiz da Impronúncia.

Rebate a afirmação da Sentença  sobre a "falsa" miserabilidade jurídica da mãe  e representante  legal da vítima, assim como faz menção do atestado da autoridade policial (fls. 179) com referência ao estado de pobreza da genitora. Em seguida, considerando ter havido "crime complexo" no caso Aída Curi, afirma que a iniciativa da ação em "crimes complexos" cabe ao Ministério Público, não sendo, por conseguinte, requerida a queixa dos representantes legais da parte ofendida, neste caso, a mãe de Aída. No entanto, esta "representou, oportunamente, invocando o amparo do Ministério Público, fls. 175, e fazendo prova de parentesco, fls. 176".

Fica, portanto, assim justificada a Denúncia. Retornem os réus absolvidos ao Tribunal do Júri. Arremata o seu arrazoado com a seguinte observação: "Ainda que não estivesse provada a pobreza da mãe da vítima, deveria ser reconhecida a legitimidade da ação do Ministério Público, consoante as lições dos Tribunais de Justiça e do Supremo Tribunal Federal".

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ACÓRDÃO DA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL.

Em 22 de junho de 1959, quatro meses depois  da  Impronúncia, esta  com data de 6 de fevereiro  de 1959, a Primeira  Câmara Criminal do Tribunal de Justiça acata o Parecer do Procurador-Geral, Cândido de Oliveira  Neto; reforma a sentença de Impronúncia e rechaça a anulação do Processo.

Transcrevemos aqui a introdução ao VOTO dos três juízes:

"Acordam os Juízes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça  por unanimidade de votos, dar provimento ao recurso para o fim de  se reformar a decisão recorrida e considerar-se válido o processo, na parte em que foi anulado pela mesma decisão, e, assim,  é de serem pronunciados X, Y e Z, os  quais  deverão ser submetidos a  julgamento perante  o Tribunal do Júri, e na conformidade do parecer do Dr. Procurador – Geral, de fls. 874, usque 899.

Assim decidem, porque para a decretação da pronúncia  basta que existam nos autos provas suficientes da materialidade do crime  e indícios e circunstâncias suficientes da autoria. O processo,  não se encontrando estreme de qualquer dúvida, não autoriza a decisão de impronúncia, pois o peso das provas é  de ser examinado pelo Corpo de Jurados e que formam o Tribunal do Júri, protegidas pela própria Constituição Federal em artigo 141, & 28. Tratando-se de crimes complexos – homicídio, atentado violento ao pudor e tentativa de estupro – cabe ao Ministério Público a iniciativa do processo, independentemente de representação  da parte ofendida ou de seus representantes  legais.

 

A miserabilidade não pode ser posta em dúvida em face do atestado de miserabilidade passado por autoridade competente  e como preceitua o art. 32, & 2º. do Código de Processo Penal.

 

É fora de toda  e  qualquer  dúvida que os crimes se sucederam após a formação de uma das  famosas "curras" e cuja  técnica se desenvolveu  no emprego de blandícias e até o desfecho final da mais requintada  violência e que  determinou a morte  da inditosa Aída Curi. A prova técnica  veio desautorizar os pretensos álibis apresentados  pelos réus, e, assim, possibilitou a indicação de seus autores.

 

Afastada a hipótese de suicídio, a prova  colhida nos autos positivou a  materialidade dos delitos que são imputados aos  réus. Os bem lançados  fundamentos do Parecer do Procurador-Geral vieram desfazer, por completo, a argumentação que a decisão recorrida lançou sobre a prova  produzida contra os réus.

Pelos fundamentos expostos é de serem os réus, ora recorridos, pronunciados nos termos dos dispositivos legais  acima enumerados  e para o fim de serem submetidos  a julgamento perante o Júri".

Distrito Federal, em 22 de junho de 1959. Milton Barcellos, Presidente e Relator. Alberto Mourão Russell.  - Faustino Nascimento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PRIMEIRO JULGAMENTO. 

O JUIZ OCTÁVIO PINTO, APÓS 32 HORAS DE JULGAMENTO,

PROCLAMA O VEREDICTO DO JÚRI.

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A CIDADE DO RIO DE JANEIRO LITERALMENTE PAROU

PARA ACOMPANHAR O JULGAMENTO DOS ACUSADOS DA MORTE DE AÍDA CURI.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

GRANDE MULTIDÃO SE REUNIU DIANTE DO PRIMEIRO TRIBUNAL DO JÚRI,

DURANTE O JULGAMENTO DOS CULPADOS PELA MORTE DE AÍDA CURI.

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AS INCÓGNITAS DO CRIME.

Muitas questões ficaram sem resposta até os dias de hoje:

  1. Deu-se realmente o fato, segundo se dizia, que Aída já era seguida há algum tempo pelo grupo, com objetivos inconfessáveis?
     

  2. Tratava-se de uma "curra" planejada há  tempo, tendo  por mira  Aída ? O artigo definido usado  por um dos depoentes, interpelando o menor culpado, pode ser indicativo: ["X" está com a menina e querendo  saber se você tem um lugar para ele ir...] (fls. 12v).  Não diz está com uma menina mas com a menina.
     

  3. Quais os elementos do grupo que fizeram a apresentação de Aída na noite do crime?  Falou-se que esta apresentação fora feita por um deles  que já conhecia  Aída ou sua colega. No entanto, não foi este rapaz incriminado, tendo sido somente testemunha no Processo. Ainda no mesmo contexto, pergunta – se: a quem pertencia o chaveiro jogado ao chão,  com o objetivo de atrair  a vítima? Ficou claro no Processo que outros rapazes das imediações da escola  pudessem conhecer Aída (fls. 31) e que ao sair da Escola, fosse acompanhada de algum rapaz, também ali matriculado (fls. 449).
     

  4. Teriam estado lá em cima, na hora da luta, outras pessoas que faziam parte do grupo, além dos dois que sendo maiores foram julgados pelo Tribunal do Júri e do menor implicado que não foi a julgamento, mas recolhido ao Juizado de Menores? Um dos envolvidos afirmou "conhecer os hábitos da turma, de quererem participar dos encontros amorosos dos companheiros" (fls 51). Comentou-se na época que, além destes três, outras duas ou três pessoas também subiram… Quais delas estiveram lá escondidas na hora do assédio criminal? Um dos implicados, o quarto  personagem  condenado, declarou que, no momento da queda do corpo, esteve na entrada do prédio procurando pelo porteiro (fls. 12 v).  O porteiro não foi  ali encontrado. Esclarece mais o mesmo declarante: "no preciso momento em que entrou, a moça caiu" (fls. 410). Desde algum tempo, estava matriculado na mesma escola de Aída, e no mesmo horário, isto é, das 18,00 às 19,00 horas. Dois  dias após o crime (!), na quarta-feira , lá se achava na aula, neste mesmo horário (fls. 14). Esteve presente  quando o chaveiro foi jogado ao solo, no início do encontro fatal, e prontificou-se a procurar o lugar  para onde seria levada a vítima.
     

  5. De quem partira a ideia macabra de arremessar o corpo? Duas hipóteses foram levantadas na época : teria sido por iniciativa dos próprios rapazes, supondo que estivesse morta, ou a conselho de moradores e frequentadores do prédio? Em ambos os casos, o objetivo era o de simular o suicídio.
     

  6. Quem lançou o corpo e quais as pessoas que neste momento se achavam  presentes no terraço?
     

  7. Quais as autoridades  que se achavam no apartamento 201,  no segundo andar do prédio, residência de  um dos culpados,  jogando cartas (fls. 90v), no exato momento da luta?  E tendo sido imediatamente notificadas do que havia acontecido no alto do edifício, que providências tomaram?  Consta nos Autos que ao menos um Delegado aí se encontrava no momento da queda do corpo (fls. 181v e 443v). Foi levantada a hipótese de que ao menos uma das Autoridades  subiu no momento em que Aída  se encontrava inanimada  no  alto do prédio.
     

  8. Como explicar  o molho de chaves caído no piso da entrada de serviço diante da porta  da cozinha  do apto. 1201  (fls. 91)?  Puro  esquecimento dos autores do crime  ou para fazer crer que a subida fora feita pelo elevador  de serviço  e não pelo social, com o fim de culpar a vítima  de conivência   com os assassinos?  Da mesma forma, como explicar que a porta principal do apto. 1201 foi encontrada pelos  peritos fechada por um obstáculo de madeira (fls. 147)?  Não visavam os culpados sugerir que a subida fora pelo elevador de serviço  e não pelo social?  Mas a  observação  da perícia  sobre o interior da entrada de serviço,  desmascara a farsa: "Seu interior, no entanto, nada revelava que pudesse levar à conclusão de ali ter estado a jovem (fls. 91).
     

  9. Quem desceu do alto do prédio para colocar o livro e a bolsa de Aída ao lado do cadáver na Avenida Atlântica? O Sr. Leonil Faria Neves declarou à nossa mãe que viu Aída   cair sem os livros,  e no instante em que ela caiu os livros  não estavam ainda no chão.  Afirmou-lhe isto quando mamãe estava na Policlínica Geral do Rio de Janeiro para tratamento de dentes.  Disse morar à rua Taperuá, 319, na Penha. Foi sem dúvida este senhor uma das primeiras pessoas que viram o corpo cair, ou já caído, pois afirmou ainda que estava um rapaz muito nervoso um pouco distante do corpo e que atrás dele vinha uma senhora que exclamou: coitada! E em seguida compôs as vestes de Aída que estavam revoltas.
     

  10. Quem seriam e por que não foram procuradas e interrogadas  as pessoas, aparentemente alheias à urdidura da "curra", vistas entrando no elevador na noite do crime?
     

Declara um dos implicados que,  tendo encontrado a porta do 12º andar fechada, desceu, e ao abrir a porta do elevador social, no andar térreo, deparou  com "Z", interpelando-o (...) que essa conversa com "Z" foi um tanto dificultada porque uma senhora entrava no elevador" (fls 19 v.). Já  o relatório apresentado nos Autos do  Processo por dois detetives da Divisão de  Polícia Técnica se refere a "duas senhoras" (fls 92v).

De outra vez, uma das testemunhas arroladas revela  o que o próprio porteiro, por ele interrogado se conhecia a vítima, lhe respondeu;  "que não, e, que momentos antes,  haviam subido duas moças" (fls 33), sem precisar qual dos dois elevadores foi por elas usado,  nem tampouco se os rapazes já se encontravam com Aída lá em cima... O porteiro quando, inquirido, afirma apenas que eram moradoras do apartamento 901 (fls.401).  Lamentamos  que  não tenha havido uma investigação mais acurada com  referência  a  estas "duas moças"  que haviam subido ou àquela senhora  que dificultara a conversa entre "X" e "Z".  Às vezes pequenos fatos podem determinar  novos rumos na história  contada pelos  fautores  de um delito, mormente neste Caso,  pois foi comentado que não só rapazes mas moças também tiveram atuação delituosa neste crime.

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